Por  Cecília Milesi & Marina Caixeta
 
Nos últimos dias a população global assistiu pelos noticiários aos sofrimentos do povo sírio num conflito que parece não acompanhar os objetivos na busca de paz e segurança dos mecanismos atuais de governança global e regional. 
 
Questionamo-nos, então, como acreditar nas relações internacionais, quando o que se observa é a impotência da Organização das Nações Unidas (ONU), o uso de animosidades em um Estado-nação (a Síria) para disputar poder geopolitico, a insensibilidade de governos que nada fazem para solucionar ou diminuir seus conflitos de interesses, mas sim causam mortes humanas, destruição de paisagens e propagação de discursos de ódio. 
 
Fazendo uma aproximação do que Joseph Nye chamou de ‘poder brando’ (aquele da persuasão) e ‘poder bruto’ (aquele da coerção), poderíamos pensar em mudança de “agendas duras” como as disputas econômicas e militares para “agendas brandas”, com a cooperação internacional? Poderíamos introduzir mais sensibilidade nas relações internacionais? 
 
Em 2014, a professora Cecilia Milesi publicou um ‘policy brief’ explicitando a necessidade urgente de repensar a transformação de conflitos (Milesi, Global South Unit for Medition, BRICS Policy Center, Brazil). A crise dos refugiados, na Síria e em muitos outros países, era explicitada como indício claro de que o sistema de paz e segurança global e regional não estava funcionando.
 
Cecília Milesi convida todos para reformar as políticas de paz de modo a transformar as causas dos conflitos, aprofundar o controle do mercado de armas e aumentar os esforços de diálogo e mediação de forma participativa, colocando a vida dos cidadãos no centro dos esforços no cenário de pós-paz. 
 
No entanto, três anos depois, apenas vemos mais morte e deslocamentos, situação agravada pela rejeição dos países do Norte Global em receber as vítimas da guerra e enfraquecimento das economias e blocos regionais. A possibilidade de uma guerra que se estenda é real. Enquanto aumentam os investimentos de armas, baixam orçamentos para políticas internacionais e nacionais de desenvolvimento, educação, emprego e saúde para todos. Hoje, prevalece o medo e a retórica violenta.
 
Neste contexto, poderíamos almejar sistemas coletivos de ação pública que ultrapassassem a busca por interesses pessoais? Poderíamos sonhar com uma ética global que nos permitisse contar com relações internacionais equitativas e em benefício da população global? 
 
Essas perguntas, de caráter retórico, nos trazem a responsabilidade, como indivíduos, de trabalhar norteados por valores que nos permitam edificar uma sociedade global que queremos ver concretizada. Afinal qual e como seria nosso papel na defesa de bens públicos, de um Estado que promova o bem-estar coletivo, de governos que transformem os direitos humanos em serviços públicos, de uma moral que se guie pela alteridade, valorize e respeite a diversidade?
 
O sofrimento do povo sírio ainda pode ser revertido em grande aprendizagem para todos nós. Só assim podemos buscar esperança nos tristes acontecimentos dos últimos dias. Esperamos continuar este debate com todos os interessados durante as aulas de nosso curso de pós-graduação em Cooperação Internacional num mundo multipolar, já que todos temos responsabilidade e capacidade para reformar este cenário.