Educação Física Escolar: À Luz da Teoria da Complexidade
Hugo Cesar Bueno Nunes –  Mestre em Educação Física

Busco neste artigo tratar do campo de conhecimento Educação Física em uma perspectiva fundamentada na teoria da complexidade. Para começar gostaria de dizer que desde o contato que tive com a teoria da complexidade, das ciências sistêmicas, o termo Educação Física soa indigesto, pois nos passa a ideia de educar o corpo, como se pudéssemos educar alma, educar mente, ou seja, o termo Educação Física nos dá uma visão fragmentada de ser humano. Para Kolyniak (1996 p.80) 

[…] a visão dualista do homem representa um obstáculo ao avanço do conhecimento, na medida em que, ao postular uma diferenciação radical entre corpo e mente (ou alma) e privilegiar um ou outro para estudo, fragmenta um fenômeno uno, que só pode ser adequadamente compreendido em sua totalidade. 

Pois bem, a partir de agora ao retratar-me sobre movimento humano, designarei o mesmo como sendo ciência da motricidade humana. Mas o que é a ciência da Motricidade Humana?

Para responder a esta questão, recorreremos a Genu & Pernambuco (2003, p.227) motricidade humana compreende o movimento intencional e consciente compartilhado com o outro no meio em que está inserido. Segundo as autoras, falar em Motricidade Humana é reportar-se ao movimento histórico humano, desde as práticas corporais do cotidiano e as práticas socialmente sistematizadas e acumuladas, como o são as modalidades esportivas e de lazer. (p.227)

Na busca de um novo paradigma, tentando superar a fragmentação do ensino/aprendizagem vemos a Motricidade Humana como uma das alternativas para a construção de um conhecimento significativo, que respeita o ser humano como um todo indivisível, pois a mesma tem na sua essência o objetivo de unir e ao mesmo tempo distinguir. Ao falarmos em Motricidade Humana, invariavelmente estaremos nos apoiando na Teoria da Complexidade, que segundo Morin (apud Vieira & Baggio 2004, p.5): 

[…] a complexidade é a união do objeto específico na interligação dos demais saberes, diferenciando-se das definições reducionistas, que só percebem o objeto de sua disciplina, e dos holistas, que só veem o todo. A complexidade encontra-se justamente no âmago da relação entre o simples e o complexo, porque uma tal relação é ao mesmo tempo antagônica e complementar. 

Segundo Genu & Pernambuco (2003) ao pensar o fazer Motricidade Humana, este, invariavelmente trabalhará conceitos e procedimentos, unindo o biológico e o social, a natureza e a cultura, o inato e o adquirido, faces que mostram singularidades e completudes.

Ao considerarmos que a finalidade da educação é a incessante construção de conhecimentos pelos alunos e a busca da inserção dos mesmos na sociedade mais ampla, podemos designar como base sólida desta educação os quatro pilares propostos pela UNESCO, ou seja, Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer, Aprender a Conviver e o Aprender a Ser. Abaixo faremos uma síntese destes pilares aproximando-os do conhecimento tratado pela Motricidade Humana.

Aprender a Conhecer: neste pilar o educador deverá desenvolver junto aos educandos o chamado domínio dos instrumentos do conhecimento e não um saber codificado, estanque, aos quais estamos acostumados. Deverá também trabalhar para a defesa de um ensino básico geral, sem reprimir as especialidades, mas mostrando a importância de conhecermos a chamada cultura geral. Neste sentido fica claro como através desta nova ciência chamada Motricidade Humana fica mais fácil atingirmos este objetivo, visto que segundo Genu & Pernambuco (2003, p.227) é na conexão das disciplinas que a Motricidade Humana opera.

 Aprender a Fazer: onde os educadores deverão colocar em prática junto com os educandos os conhecimentos desenvolvidos no pilar anterior. É de fundamental importância neste, a crítica constante ao mecanicismo nas tarefas humanas. Com uma visão mais complexa da realidade que os cerca, os educadores e os educandos poderão ter com maior clareza quais objetivos traçar, quais fazeres dentro de uma variedade, poderão subsidia-los para uma melhor aprendizagem e conseqüente desenvolvimento.

Segundo Genu & Pernambuco (2003) é preciso criar novas formas do fazer humano e do conviver/aprender. Necessitamos validar os resultados, as descobertas, as experiências, retirando o foco dos objetivos e metas preestabelecidas e determinantes da ação.

Aprender a Conviver: sem dúvida esta aprendizagem é um dos maiores desafios da educação, é o desafio de vencer a violência entre os homens, de aceitar as diferenças, de buscarmos interação entre culturas, respeitar os diferentes pontos de vista, enfim, a partir da descoberta de si mesmo, buscar descobrir o outro, sua cultura seu modo de viver. Sendo a Motricidade Humana uma área que tem como objeto de estudo o movimentar-se com intencionalidade, é partindo desta intencionalidade que poderemos trabalhar na busca de um movimentar-se com o objetivo de conhecer novos movimentos, conhecer novas culturas, exercitar a interação com diferentes formas de pensar e agir.

Aprender a Ser: aspecto relacionado ao desenvolvimento integrado do ser humano, ou seja, é a integração dos outros três pilares, é a partir daí que se desenvolverá no educando a capacidade de julgamento e escolha, ou seja, a reflexão crítica sobre a realidade. Podemos através da Motricidade Humana desenvolver nos educandos uma visão crítica sobre: Quais práticas motoras são mais adequadas para se realizar levando em consideração seus limites e possibilidades? O que está explicito e implícito em uma propaganda que tem o corpo como principal foco? Qual a relação entre qualidade de vida e saúde?

Tendo como base estes pilares, a teoria da complexidade e a ciência da Motricidade Humana como organizadora do conhecimento, não podemos mais falar em conhecimento especializado sem este ter alguma relação com o todo. Segundo Morin (2004, p.25) Para pensar localizadamente, é preciso pensar globalmente, como para pensar globalmente é preciso pensar localizadamente.

Segundo Manuel Sergio (apud Costa 2003, p.228) A Motricidade Humana é a ciência que mais se encaixa na função de elo entre as demais no conceito da interdisciplinaridade, justamente porque na Motricidade o homem é visto num movimento da superação, da transcendência.   

Ao referir-se em transcendência, superação, Manuel Sergio abri-nos caminho para pensar a transdisciplinariedade, pois, segundo VIEIRA (2004, p.5) é na transdisciplinariedade que a educação física estabelece  seu campo de conhecimento e prática específicos e que, igualmente, se interligará com outras disciplinas, especialmente aquelas mais próximas. Ainda segundo o autor a transdisciplinariedade não se contenta com que cada área do conhecimento fale alguma coisa sobre algum objeto. É preciso, também, falar sobre a fala do outro; transpassar e ser transpassado pelo outro . (VIEIRA, 2004 p.5).

Nossas relações devem ser vistas como uma rede, onde cada fio do barbante que a compõem ao ser retirado, provocará algum tipo de interferência na estrutura como um todo. O mesmo são nossas ações na escola, na comunidade, nos jogos, no trabalho, ou seja, de uma forma ou de outra uma ação realizada por um ser humano interferirá em sua sociedade, em sua nação em nosso mundo, etc…

Segundo Manuel Sergio (apud Costa 2003, p.229) 

[…] a ciência da Motricidade Humana deve potenciar o surgimento de mulheres e homens novos, com saúde e aptidão para defenderem interesses diversificados, mas sabendo que partilham um solo concreto de enraizamento comum: o processo histórico, reconfigurador e transformador dos outros e de nós mesmos. 

Sendo assim afirma-nos Costa (2003, p.229) o homem passa a compreender que ele é um ser no mundo e que dele também depende, e vice-versa.

Segundo Morin (2004, p.67) O mundo torna-se cada vez mais um todo. Cada parte do mundo faz, mais e mais parte do mundo e o mundo, como um todo, está cada vez mais presente em cada uma de suas partes.

A partir deste pensamento complexo, o papel da escola na sociedade deve ser visto sob outro ponto de vista, não apenas como sendo capaz de preparar nossos alunos para o trabalho, para o vestibular, etc, mas sim, a escola como sendo um lugar de descobertas, de construções, de sonhos, o espaço onde todos compartilharão vivências, experiências e curiosidades. Para tanto é preciso que a escola rompa com sua organização tradicional, ou seja, com disciplinas a serem cumpridas, carteiras enfileiradas, avaliações baseadas na memorização de conteúdos, professores como donos da verdade, um sinal dizendo a hora de mudar o pensamento. Precisamos de uma escola mais alegre, mas que saiba também mediar o limite entre a alegria e a desconcentração improdutiva, que seja capaz de formar alunos na cidadania e não para a cidadania, ou seja, alunos que participem das decisões da escola, da elaboração das regras, dos direitos e deveres, alunos que vejam a escola como uma extensão de suas vidas.

Para tanto podemos lançar mão do chamado planejamento participativo onde os alunos, pais, professores, poderão se envolver no projeto pedagógico da escola e com isso dar um maior significado para o aprender, afinal quando os alunos não veem significado em algo, precisam ser seduzidos para a beleza do saber, sendo assim o planejamento participativo poderá contribuir para esta aproximação entre saber e sabor.

                Tendo a escola uma organização diferenciada da tradicional, com grupos de estudos de um determinado tema-problema ao invés de conceitos disciplinares, alunos e pais mais participativos, perguntas e pesquisas ao invés de objetivos e metas curriculares, turmas pequenas, professores como facilitadores e não como especialistas, ou seja, a escola organizada na perspectiva transdisciplinar, a Motricidade Humana contribuiria tendo como foco, partir dos conhecimentos que os alunos já possuem e assim buscar relacionar os problemas levantados pelos alunos com a vida, com os outros campos de saberes. 

Para tanto, para viver esta transdisciplinariedade segundo VIEIRA (2004) é necessário ultrapassar, transpor os muros da escola e aqueles que aprisionam nosso modo de ser, pensar e de conhecer. 

Referências Bibliográficas

ARAGÂO, M.G.S., PERNAMBUCO, M.M.C.A. Emergência Disciplinar: Quando os saberes dialogam. Revista Integração Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, ano IX, nº 34, p.226-228, 2003.

BAGGIO, A., VIEIRA, P.S. Complexidade, Corporeidade e Educação Física. www.efdeportes.com/ Revista Digital Buenos Aires Ano 10 n.74 Julho/2004.

COSTA, Valéria Coelho. Motricidade Humana, Psicopedagogia e a Pedagogia Freinet. Revista Integração Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, ano IX, nº 34, p.228-230, 2003.

DELORS, Jacques (coord.) et alli Os quatro pilares da educação. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI, São Paulo, Cortez, Brasília, DF; MEC: UNESCO, 1998 cap.4 p.89-102.

MORIN, Edgar  Os sete saberes necessários a educação do futuro  São Paulo: Cortez; Brasília,DF : UNESCO,2004.

KOLYNIAK, Carol Filho. O objeto de estudo da educação física em discussão: Um diálogo com Manuel Sérgio. Discorpo: Revista do Departamento de Educação Física e Esportes da PUC-SP  N.2  p.79-92, 1994.