Psico Fisioterapia: Uma Visão Psicológica do Paciente da Clínica de Fisioterapia

 Profª Sandra Amaral-Fisioterapeuta- Especialista em Ortopedia
Profª Débora Valadares-Psicoterapeuta Corporal Reichiana e Analista Bioenergética

É comum o paciente chegar à clínica fisioterapêutica com muitas demandas psíquicas, quer seja pelas dores provocadas pela presença de lesões ou distúrbios físicos agudos ou crônicos, que por sua intensidade e tempo de instalação, pode deixá-lo angustiado, quer seja pelas somatizações (sofrimento psicológico que se expressa por dores físicas sem haver necessariamente comprovação material de patologia).

É comum também alguns pacientes com dores crônicas ou agudas severas, diante do fisioterapeuta, terem uma oratória profusa e repetitiva, carregada pela ansiedade do quadro doentio que não se resolve com as intervenções experimentadas, quais sejam, consultas a especialistas, várias medicações e fisioterapia em grupo conveniada a planos de saúde.

Muitas vezes, a desesperança norteia a fala deste paciente, curioso em saber se com a nova indicação fisioterapêutica obterá realmente alguma ou toda a melhora esperada. Portanto, ele chega a este profissional com uma enorme expectativa de sentir-se melhor, e traz, consequentemente, muitas outras questões psicoemocionais associadas ou não ao problema original. Isto porque cada um de nós é um ser integrado; os aspectos emocionais e os somáticos são manifestações de um mesmo ser. Entendemos assim que, tudo aquilo que uma pessoa vive emocionalmente, também será vivido e expresso somaticamente.

A psicologia muitas vezes é compreendida como uma ciência que trabalha com a mente, com as emoções, como se o corpo não fizesse parte deste campo de investigação e trabalho. Entretanto, nosso corpo não é um corpo apenas orgânico, fisiológico. É um corpo carregado de afetos, desejos, vivencias e sonhos. Nosso corpo carrega nossa história.

Whilhem Reich era médico e foi discípulo de Freud e, partindo de seu trabalho analítico, percebeu que além dos conteúdos presentes no discurso do paciente, o modo como ele se mostrava contava muito de seu funcionamento e também de seus sintomas. Percebeu também que características corporais como tônus, temperatura, qualidade do olhar e da respiração, por exemplo, evidenciavam bloqueios emocionais e diminuição da vitalidade.

Reich estudou estas características e criou uma teoria e um método de trabalho que incluía a observação da “forma”, além do conteúdo. Passou a observar o corpo de seus pacientes e a intervir diretamente neste.

Após Reich, outros teóricos deram continuidade às suas pesquisas e ao seu trabalho, construindo as abordagens neo-reichianas.

Todas consideram o corpo nos processos psicoterapêuticos e trabalham o mesmo através de recursos e técnicas corporais, cujo propósito é colaborar no processo de conscientização e transformação do funcionamento do paciente. Funcionamento este que se apresenta no modo como cada um estabelece suas relações, como cada um se coloca na vida e como lida com as dificuldades.

Ocorre, por exemplo, que durante o atendimento fisioterapêutico, este paciente queira ou precise falar mais de sua conturbada relação com algum familiar, do que propriamente sobre a dor do membro ou região corporal que o levou até o consultório de fisioterapia. E, por mais que o fisioterapeuta queira intervir com seus conhecimentos e ferramentas de trabalho o quanto antes, torna-se necessário primeiro acolher esta dor emocional, esta fala, pois isto pode ser mais terapêutico naquele momento para o paciente do que a própria intervenção fisioterapêutica.
Acontece também de esta situação se repetir por várias outras sessões ou em boa parte das sessões. Porém, o fisioterapeuta não teve em sua grade curricular o suficiente da disciplina de psicologia, que aparece em um ou no máximo dois semestres em sua formação acadêmica. Pouco ou nada abordando aqueles pacientes não hospitalizados, que andam e respiram sem a ajuda de aparelhos, e que carregam suas dores e conflitos internos de longa data e com difícil resolução.

A queixa que traz os pacientes aos consultórios, nem sempre evidencia a demanda de trabalho existente. Por exemplo, o paciente pode chegar à clínica fisioterapêutica com queixa de dores musculares generalizadas, tendo exames laboratórios normais. Entretanto, um olhar mais minucioso indica um funcionamento de insatisfação permanente deste paciente frente a vários aspectos de sua vida, como uma grande necessidade de falar sobre eles, antes mesmo de ser tratado fisicamente. Esta é portanto, a demanda de trabalho.

E para lidar com demandas desta ordem, o fisioterapeuta depende muitas vezes apenas de seu bom senso pessoal, podendo sentir-se um pouco deslocado em seu papel de deter ferramentas que atuam eficazmente no físico e não no psíquico, embora este paciente traga estas duas questões entrelaçadas em uma primeira queixa que é, quase sempre, física-corporal.

Os Fisioterapeutas cuidam das dores físicas, na maioria das vezes têm excelentes resultados de melhora emocional também, principalmente quando as dores emocionais são consequência das dores físicas, e não a causa delas. Portanto, quando as consequências de uma dor física podem ser sanadas com o tratamento fisioterapêutico, e esta dor causava uma grande angústia e ansiedade, estes estados psíquicos diluem-se quando a dor é resolvida.

O mesmo não acontece quando um conflito emocional apresenta como sintoma uma dor física, sem causas biomecânicas ou fisiológicas (somatização). Neste caso, a dor física pode até ser dissipada com o tratamento fisioterapêutico, mas muitas vezes acontece de ela ser deslocada para outra parte, e a angústia a ela relacionada permanece presente e inalterada.

Entendemos, portanto, que estas queixas e sintomas são manifestações psíquicas que aparecem concretamente no corpo e que precisam ser trazidas do inconsciente para a consciência.

Mas, o que fazer com o paciente que se vê diante de dores diferentes a cada período do ano, dores estas que podem ou não estarem relacionadas a patologias comprovadas pelos exames de imagem? Ao mesmo tempo, o indivíduo pode não identificar os aspectos emocionais a elas relacionados, e quando o faz, dificilmente aceita o encaminhamento do fisioterapeuta para que este procure a clínica de psicologia, pois, sob o seu ponto de vista, sua dor é tão somente física.

Isto ocorre tanto por preconceito, pois a busca por atendimento psicológico ainda é vista como “fraqueza ou fracasso” frente às dificuldades, ou sinal de “loucura”; como por resistência, pois todos nós evitamos, em algum nível, olharmos para dentro e reconhecermos quem somos; todos nós resistimos à mudança. Temos internamente forças de transformação e forças de manutenção.

A psicoterapia é, na verdade, uma caminhada íntima, profunda e singular que o paciente se dispõe a fazer acompanhado pelo psicoterapeuta. Uma caminhada de conscientização e fortalecimento pessoal, em busca de maior autonomia e saúde.

Nos casos em que há uma demanda psíquica presente, os fisioterapeutas fazem o que podem. Tratam as dores deslocadas de uma parte para a outra e, muitas vezes, estes pacientes seguem em acompanhamento por longos anos. As queixas se alternam e as intervenções também, mas não atingem o foco inicial. Foco este que está resguardado como uma relíquia a ser preservada, produzindo sintomas que preenchem algum vazio e, mesmo com dor e sofrimento, dá um sentido, em algum nível, para a vida deste paciente.

Deste modo, faz-se imprescindível considerarmos a complexidade de cada pessoa, que pode trazer em sua queixa objetiva um pedido de escuta/olhar e ajuda subjetiva. E quando as queixas físicas trazem demandas inconscientes, fisioterapia e psicologia podem trabalhar juntamente. E a psicoterapia corporal pode oferecer recursos específicos neste sentido, já que as neurociências e a neuropsicologia corroboram a relevância das intervenções corporais, pois demonstram o quanto elas auxiliam na reparação das funções psíquicas.

A proposta da Psico Fisioterapia é apresentar uma aproximação da clínica fisioterapêutica com a clínica psicológica e, através desta abordagem, oferecer ao paciente que vivencia a dor física, uma possibilidade não apenas de tratá-la no ambito corporal e fisiológico, mas também resignificá-la no nível psíquico, conhecendo mais de si mesmo e da doença que nele se expressou.