Tradutor ou Traidor?
por Rita Alves
A polêmica relação entre autor e tradutor foi, é e sempre será uma questão a ser discutida.
Atualmente, a Tradução ganha status de Gênero Literário, pois concede ao tradutor a notabilidade daquele que, além de conhecer muito bem as línguas que serão trabalhadas, se apropria do tema, da obra, no caso da prosa também se insere no contexto do narrador e da narrativa – e, no caso da poesia, se embebe da linguística, da construção formal e da poética – em alguns casos também do ‘eu’ literário, para tornar-se um co-autor da obra, na dimensão vocabular da língua a que se propõe traduzir.
No Brasil há nomes pontuais da Tradução:
. Haroldo de Campos, que traduziu, por exemplo, a Ilíada, de Homero, faz um movimento interno de abandono da identidade para se isentar da pessoalidade. “Transcriação”, termo usado pelo próprio Haroldo. – “Tradução como formação e abandono da identidade”, conforme muito bem pontuado pelo professor Márcio Seligmann-Silva, em artigo publicado na Revista USP.
. Ivan Junqueira, tradutor de T.S. Eliot, Charles Baudelaire e tantos outros nomes da poesia, absorve o labor da tradução como metáfora da linguagem.
. Trajano Vieira, doutor em Literatura Grega, que se dedica a (per)verter poeticamente as Tragédias Gregas como Édipo Rei, de Sófocles, Agamêmnon, de Ésquilo e a Odisseia, de Homero.
. Carlos Nougué e José Luis Sanchez¹, que adentraram a aventura errante de traduzir o clássico El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Macha, de Miguel de Cervantes Saavedra. Obra espanhola de 1547, presente no imaginário de muitos pela popularidade que ganhou o cavaleiro que luta contra moinhos de vento, o volume de Cervantes é um tratado linguístico, filosófico, poético e narrativo, e marca o início do romance (novela).
”Não existe uma resposta universal à chamada pergunta da ilha deserta (se levasse apenas um livro, qual seria), mas a maioria dos leitores incessantes, dotados de discernimento autêntico optaria entre três: a Bíblia na versão do rei James, a obra completa de Shakespeare e D. Quixote, de Miguel de Cervantes.” Harold Bloom
A Tradução se contextualiza historicamente, demanda um transporte ao pensamento da época da escrita, para não correr risco de inserir conceitos equivocados. Outros, entretanto, são da opinião de que traduzir é digerir (Oswald de Andrade) a obra e transformá-la.
Em Portugal, inversamente:
. Fernando Pessoa foi funcionário em um escritório de contabilidade, em Lisboa. Por ter estudado em Durban, África do Sul, dos 4 aos 19 anos de idade, em língua inglesa, quando retornou a Portugal, foi empregado como tradutor comercial, a atual profissão “Comércio Exterior”. Dizia ele que pensava em inglês e sentia em português.
Sendo, então, uma profissão tida como ardilosa e labiríntica, é também uma das áreas mais amplas e que exige do profissional muita dedicação, compromisso e estudo, mas garante ótimos retornos.
¹Carlos Nougué e José Luis Sanches fazem parte do corpo docente da Pós-graduação Estácio. Figuram entre os mais relevantes nomes da tradução espanhol/português/espanhol.
Recomendo:
. a leitura do artigo “A Transcriação de Haroldo de Campos e a Identidade Nacional”, de Geovanna Marcela da Silva Guimarães, publicado na Revista Zunái.
* Na imagem a fusão das obras de Salvador Dalí (Don Quijote) e de Mondrian, por Ricardo Aureliano.